quarta-feira, 22 de julho de 2009

Dialeto Gaucho

Historicamente, o Rio Grande do Sul, estado ao extremo sul do Brasil, sempre foi uma região de conflitos e de culturas diversas. Numa área pertencente à Espanha pelo Tratado de Tordesilhas, alguns portugueses fincaram o pé em partes da localidade no intuito de tomar as terras dos espanhóis, mas esqueciam-se todos que os donos legítimos da terra eram os índios. Na prática, nunca houve divisão de fato dos territórios do pampa rio-grandense, pampa argentino e pampa uruguaio, proporcionando uma integração – nem sempre pacífica – entre os três povos. Do convívio entre os imigrantes espanhóis e portugueses com os índios surgiram muitas misturas raciais originando o que se chamou de “raça gaúcha” (cafuzos de índios je-tupi-guarani com ibero-europeus) e o surgimento involuntário de uma cultura completa que era compartilhada pelos povos.

Em conflito constante com os “castelhanos” (argentinos e uruguaios de ascendência castelhana) e com os portugueses (então colonizadores do Brasil), os gaúchos continuavam ignorando os limites políticos entre os territórios, mas criavam seu próprio isola

Na tentativa de não se identificarem nem com os portugueses (dominadores) e, posteriormente, brasileiros,mento cultural, nem com os espanhóis (invasores), os rio-grandenses criaram um modo particular de vestir, falar e agir, que pouco se diferenciava das características típicas dos “gauchos” (lê-se ‘gáutxos’ em espanhol) dos pampas cisplatino e platino. Os hábitos do churrasco, do chimarrão, da indumentária e quase toda a tradição permaneceram muito semelhantes após todo o período de ebulição, mas a língua foi diferenciando-se.

Numa tentativa de mostrar para os “castelhanos” que falavam português e para os “imperialistas” que falavam espanhol, adicionando-se muitas expressões indígenas e algumas africanas, surgiu uma linguagem híbrida, compreendida por todas as partes envolvidas no período, mas impossível de ser dominada por um “chucro”. Marcado pela grande ligação afetiva do gaúcho por seus animais, a maioria das expressões que se referem a animais, também se referem às pessoas.

A formação do dialeto se dá, basicamente, por:

1. vocábulos hispano-luso-indígenas

2. aumentativos e diminutivos hispânicos

3. escrita lusitana

4. pronúncia baseada no português, mas lida como no espanhol

5. falta de uma gramática oficial, mantendo o dialeto constantemente mutante e flexível

6. A pronúncia do “o” e do “e” são feitas como no Espanhol quando se alterariam para “u” e “i” no Português.

7. O diminutivo “inho” quase sempre e substituído por “ito”, mas há casos onde sobrevive. Recorde-se que não há regra oficial para a fala campeira e que a maioria das pessoas sequer sabem que não falam Português nem Espanhol.

8. O pronome “lhe”, quase sempre é pronunciado “le”.

9. Há uma grande dificuldade entre os nativos para saberem quando pronunciar “b” ou “v”, pois flutuam entre a gramática portuguesa e espanhola.

10. As palavras que têm dupla escrita de “x” ou “ch”, têm no “ch” sua escrita castelhana e “x” lusitana (galega).

Algumas expressões típicas da gauchada:

  • Abichornado – crioulo – acovardado, apequenado.
  • Afeitar – espanhol – fazer a barba
  • Âiga-te (âigale-te) – espanhol – interjeição de surpresa que enaltece o que foi ouvido; âigate.
  • A la pucha (a la putcha) – espanhol – interjeição de surpresa que enaltece o que foi ouvido; âigate.
  • Alcaide – provavelmente espanhol, pois tem significado muito oposto do homônimo português, oriundo do árabe – cavalo velho, ruim inútil; serve para pessoas também.
  • Andar a/pelo cabresto – português – o mesmo termo que designa a condução do animal, indica que alguém está sendo conduzido por outro.
  • Andar de rédea solta – português – também se referindo a pessoas, significa que alguém não sofre controle estrito de nada nem ninguém; um momento de folga.
  • Bagual – crioulo – cavalo que não foi castrado; homem.
  • Balaquear – crioulo – gabar-se, mentir, conversar fiado; vanguardar-se.
  • Barbaridade – português – barbarismo. Tanto adjetiva como pode ser uma interjeição de espanto.
  • Bate-coxa – português – baile, dança.
  • Bombacha – espanhol platino – peça (calça) que caracteriza a indumentária gaúcha. Tem origem turca e foi introduzida na América pelos comerciantes ingleses, de presença marcante no pampa platino.
  • Buenacho – espanhol – muito bom, excelente; bondoso, cavalheiro.
  • Campanha – português – planície rio-grandense; pampa.
  • Capilé – francês – refresco de verão, feita com um pouco de vinho tinto, água e muito açúcar.
  • Castelhano – espanhol – indivíduo oriundo de Uruguai ou Argentino
  • Cevador – português – pessoa que prepara o chimarrão e o distribui entre os que estão tomando.
  • Charque – espanhol platino – carne de gado, salgada em mantas.
  • Chasque – quíchua – mensageiro, estafeta.
  • Chiru (xiru) – tupi – índio velho, indivíduo de raça cabocla.
  • Chucro (xucro) – quíchua – animal arisco, nunca domado; pessoa de mesmo temperamento ou sem empirismo, inexperiente.
  • Cusco – espanhol platino, provavelmente já emprestado do quíchua – cachorro pequeno e de raça ordinária (ou sem); guaipeca.
  • De orelha em pé – português – da mesma forma que o animal de sobreaviso ergue as orelhas, tal supõe-se faça o homem.
  • Engasga-gato – português – ensopado feito com pedaços de charque da manta da barrigueira.
  • Garupa – francês - A parte superior do corpo das cavalgaduras que se estende do lombo aos quartos traseiros; também usado para definir a mesma área no corpo humano.
  • Gaúcho – origem desconhecida – termo, inicialmente, utilizado de forma pejorativa para descrever a cruza ibero-indígena, hoje é o gentílico de quem nasce no estado do Rio Grande do Sul.
  • Gauchada – crioulo – grande número de gaúchos; façanha típica de gaúcho, cometimento, muito arriscado, proeza no serviço campeiro, ação nobre, impressionante.
  • Gauderiar – espanhol platino – vagabundear, andar errante, sem ocupação séria; haragano.
  • Gaudério – espanhol platino – vagabundo, desocupado, nômade. Atualmente, é uma referência estadual ao povo da campanha, simplesmente, como gaúcho.
  • Guaiaca – quíchua – invenção gauchesca que se usa sobre o “cinturão europeu”. Significa bolsa em sua língua original.
  • Guaipeca – tupi – cachorro pequeno e de raça ordinária (ou sem), cusco.
  • Guri – tupi – criança, menino; serviçais que faziam trabalho leve nas estâncias.
  • Haragano – espanhol – Nômade, renitente; cavalo que dificilmente se deixa agarrar.
  • Japiraca – tupi – mulher de temperamento irascível, insuportável.
  • Jururu – tupi – triste, cabisbaixo, pensativo.
  • Macanudo – indicado como sendo espanhol platino – bom, superior, poderoso, forte, inteligente, belo rico, respeitável; um adjetivo positivo de uso genérico.
  • Mate – quíchua – bebida preparada em um porongo, com erva-mate e água quente; chimarrão.
  • Minuano – indicado como sendo espanhol platino – vento andino, frio e seco, que sopra do sudoeste no inverno.
  • Morocha – espanhol platino – moça morena, mestiça, mulata; rapariga de campanha.
  • Nativismo – português – amor pelo chão onde se nasce e sua tradição.
  • Orelhano (aurelhano) – espanhol platino – animal sem marca nem sinal; também serve para pessoas.
  • Pago – espanhol/português – lugar onde se nasceu. Como o gaúcho original era um nativo descendente de imigrantes e não pretendia deixar seu solo em hipótese alguma, o termo também designa, genericamente, a região da Campanha.
  • Pampa – quíchua – vastas planícies do Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina, coberta de excelentes pastagens que servem para criação de gado. Em quíchua, “pampa” significa “planície”.
  • Paisano – português/espanhol – patrício, amigo, camarada; camponês e não-militares.
  • Pêlo duro – espanhol – crioulo, genuinamente rio-grandense; também significa pessoa ou animal sem estirpe.
  • Poncho – origem incerta, araucano ou espanhol – espécie de capa de pano de lã de forma retangular, ovalada ou redonda, com uma abertura no centro, para a passagem da cabeça.
  • Puchero (putchero) – espanhol – sopão com muito vegetal e carne de peito, sem tutano e sem pirão.
  • Querência – espanhol – o lugar onde se vive. Derivado de “querer”, caracteriza o amor que o gaúcho tem pela sua terra.
  • Tapejara – tupi – vaqueano, guia ou prático dos caminhos; gaúcho perito, conhecedor da região.
  • Tchê – provavelmente espanhol – termo vocativo pelo qual se tratam os gaúchos. É o mesmo “che” (‘txê’) do espanhol, que se consagrou com Ernesto Guevara, o “Che”.
  • Topete – português/espanhol – audácia, arrogância, atrevimento; saliência da erva-mate que fica fora d’água na cuia de chimarrão.
  • Tropeiro – português/espanhol – condutor de tropas, de gado.


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